Sócrates e Polo
(PLATÃO, 1986, p. 98-102)
SÓCRATES: - [...] Vê, pois, se estás disposto a ceder-me o turno da argumentação, respondendo às perguntas. Eu creio deveras que nós - eu, tu e toda gente - julgamos pior cometer a injustiça do que sofrê-la, e pior do que expiá-la não a expiar.
POLO: - Mas, a meu ver, nem eu, nem ninguém mais, o admitimos. Quem, se não tu, a cometer uma injustiça, preferiria sofrê-la?
SÓCRATES: - Eu? Sim, como tu e toda gente.
POLO: - Ora, ora! Nem eu, nem tu, nem ninguém mais. SÓCRATES: - Então, não vais responder?
POLO: - Mas como não? Estou até ansioso por saber o que, afinal, vais dizer!
SÓCRATES: - Então, para o saberes, faze de conta que estou principiando a inter-
rogar-te e dize-me, Polo, o que achas pior: praticar uma injustiça, ou sofrê-la?
POLO: - Sofrê-la, ora!
SÓCRATES: - E o que é mais feio? Ser autor ou ser vítima duma injustiça? Responde.
POLO: - Ser autor.
SÓCRATES: - Sendo mais feio, não é, então, pior? POLO: - Absolutamente não.
SÓCRATES: - Compreendo. Não consideras a mesma coisa, parece, o belo e o bom, o mau e o feio.
POLO: - Não, realmente.
SÓCRATES: - Que dizes a isto? Todas as coisas belas, como objetos, cores, formas, ressonâncias, costumes, é sempre sem relação alguma que lhes atribuis a beleza? Por exemplo, comecemos pelos objetos belos; não os chama belos tendo em vista, em cada caso, os fins a que servem, ou algum prazer, caso se delicie quem os contempla? Fora desses pontos de vista, podes mencionar alguma outra razão da beleza dos objetos?
POLO: - Não posso.
SÓCRATES: - Não se dá o mesmo com tudo mais? Formas, cores, não as declara
belas em razão de certo prazer ou certa utilidade, ou por ambos os motivos?
POLO: - Sim.
SÓCRATES: - Não é assim também quanto às ressonâncias e tudo que concerne à música?
POLO: - Sim.
SÓCRATES: - Outrossim, no tocante às leis e costumes, sem dúvida, os que são
belos não fogem a estas qualificações de úteis, agradáveis, ou ambas as coisas.
POLO: - Acho que não.
SÓCRATES: - À beleza de instrução sucede o mesmo, não é?
POLO: - Por sem dúvida! Agora, Sócrates, estás acertando, quando defines o belo pelo prazer e pelo bem.
SÓCRATES: - Portanto o feio será aferido pelos opostos, pela dor e pelo mal. POLO: - Forçosamente.
SÓCRATES: - Quando, portanto, de duas coisas belas, uma seja mais bela,
assim é por sobrelevar num dos dois predicados referidos, ou em ambos, isto é, ou no prazer, ou na utilidade, ou nesta e naquele.
POLO: - Perfeitamente.
SÓCRATES: - E quando de duas coisas feias uma é mais feia, assim é por sobrelevar ou na dor, ou no dano. Ou não é forçosamente assim?
POLO: - É, sim.
SÓCRATES: - Adiante. Que dizíamos há pouco sobre praticar e sofrer injustiça? Não dizias que sofrê-la é pior, mas praticá-la é mais feio?
POLO: - Dizia.
SÓCRATES: - Então, se praticá-la é mais feio do que sofrê-la, assim é por ser mais doloroso e sobrelevar em dor, ou dano, ou ambas as coisas. Não é isso também forçoso?
POLO: - Como não?
SÓCRATES: - Ora, examinemos em primeiro lugar se praticar uma injustiça sobreleva em dor sofrê-la e se padecem mais os autores do que as vítimas.
POLO: - Isso, Sócrates, absolutamente não.
SÓCRATES: - Então, não é em dor que sobrelevas? POLO: - Não, por certo.
SÓCRATES: - Se na dor, não, não sobrelevaria portanto em ambos os motivos. POLO: - Não, é claro.
SÓCRATES: - Resta, pois, a outra razão? POLO: - Sim.
SÓCRATES: - O dano?
POLO: - Naturalmente.
SÓCRATES: - Ora, se praticar uma injustiça sobreleva em dano, será pior do que sofrê-la.
POLO: - Claro que sim.
SÓCRATES: - É ou não é fato que anteriormente a maioria das pessoas e tu também concordáveis em que é mais feio ser o autor do que a vítima?
POLO: - Sim.
SÓCRATES: - E revelou-se agora pior. POLO: - Aparentemente.
SÓCRATES: - Acaso, entre o mais e o menos danoso e feio, preferirias o pri-
meiro? Não hesites em responder, Polo; não te fará dano algum. Ao contrário,
confia-te bravamente à razão como a um médico e responde sim ou não à
minha pergunta.
POLO: - Bem, Sócrates, eu não preferiria.
SÓCRATES: - Alguém no mundo o faria?
POLO: - Não creio, a pensar assim.
SÓCRATES: - Portanto, eu dizia a verdade: nem eu, nem tu, nem qualquer
outra pessoa preferiríamos cometer injustiça a sofrê-la, por ser mais danoso.
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